domingo, 22 de março de 2009

Palestra Música e Saúde

Ontem, dia 21 de março de 2009, tive o prazer de realizar uma palestra sobre música e saúde no auditório Gaó no Conservatório Musical de Salto.
Mais do que do tema que apresentei, falo do conhecimento que surgiu no debate deste assunto num público composto por músicos, educadores, estudantes de músicas,psicólogos, musicoterapeutas, estudantes de terapia ocupacional e médicos que estiveram presente na palestra. No debate das idéias apresentadas surgiram colocações sensíveis de como o estudo da música pode ajudar na cura de uma depressão ou um ritmo musical como o samba pode resgatar uma pessoa com demência de Alzheimer da apatia. Uma fala feita pela minha esposa Francine me tocou muito, "a escola no ensino fundamental fecha a porta para música". uma participação muito pertinente foi da pianista e professora Elizabeth Milanez que falou de um método que desenvolve em que pede para o aluno conversar ao mesmo tempo que toca o piano e que isso melhora sua atenção e desempenho, ela falou também dos excelentes resultados que atingiu ao dar aula para uma aluna que era portadora de ?arkinson. Percebi um interesse muito grande dos músicos em como a música funciona no cérebro. Uma pergunta que surgiu para mim e para os educadores é como a música pode auxiliar na aprendizagem, na saúde, o que a música ensina para o nosso cérebro...
Existiu um interesse muito grande em um tema que achei que ia passar desapercebido, o ouvido absoluto. Os músicos e professores de música ficaram interessados em como se descobre que uma pessoa tem ouvido absoluto e o que fazer ao descobrir isso em um aluno. Debatemos também sobre a importância da educação sensível que busca desenvolver os sentidos humanos. Outro tema foi o do uso da música como recurso terapêutico em doenças como Parkinson e Alzheimer.
Gostaria de salientar a participação dos meus colegas de aula do primeiro ano de música do conservatório de Salto e dos alunos do curso de terapia ocupacional do Unianchieta de Jundiaí que lotaram uma van para vir até Salto.
Acredito que os alunos do Unianchieta tiveram a oportunidade de presenciar uma verdadeira discussão interdisciplinar que uniu arte, ciência e educação.
Agradeço o convite do Marco Antonio de Paula Leite e da diretora do conservatório Valéria Malimpensa e posso dizer que foi uma experiência emocionante debater sobre música, saúde e educação numa manhã de sábado no conservatório municipal de Salto.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Nise da Silveira

Nise da Silveira nasceu na primeira década do século passado na cidade de Macéio no estado de Alagoas. Filha única de uma pianista e um professor de matemática, a casa de Nise na infância permanecia sempre cheia com saraus regados a muita música e conversas sobre os mais variados assuntos. Nise contou em uma entrevista para o terapeuta ocupacional pernambucano Luiz Gonzaga que sua mãe sentava ao piano à espera da visita do sabiá laranjeira ao qual ela imitava seu canto com crescente maestria. Nise estudou em um colégio católico de meninas em que o francês e o latim eram matérias obrigatórias. Apaixonou-se pela geometria, ensinada de coração pelo seu pai. Entrou com 15 anos no curso de medicina. Foi a única mulher numa turma de mais de 100 homens na faculdade de medicina da Bahia. Defendeu uma tese sobre a crimilidade feminina em uma sessão em que seu pai esteve presente. Este foi um dos últimos encontros com seu pai que faleceu pouco tempo depois. Em entrevistas Nise relata que o falecimento do seu pai foi a maior tragédia de sua vida, gostava muito de sua mãe, mas era apaixonada por seu pai, em suas palavras de psicanalista: "um Édipo caprichado".
Para buscar esquecer este fato, Nise da Silveira junto com seu primo e companheiro Mário da Silveira, navegam para a capital federal e se instalam no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro. Lá foram vizinhos do poeta Manuel Bandeira e do líder comunista Otávio Brandão na rua do Curvelo.
Nise foi presa, acusada de comunismo, no presidio Frei Caneca por um ano e quatro meses durante a ditadura Vargas. Ficou na mesma cela de Olga Benário e Elisa Berger que foram deportadas para Alemanha e morreram na mão do nazismo. Durante os tempos de prisão estudou muita filosofia e conheceu pessoas muito sábias como seu conterrâneo Graciliano Ramos que a colocou como uma das personagens do livro Memórias do Cárcere em que o escritor relata seu período de confinamento na prisão.
Depois de liberada da prisão, Nise passou alguns anos na clandestinidade e escondeu-se em estados do norte e nordeste do país. Nesta época seu marido serviu como médico sanistarista em bases militares internacionais no norte da África.
Em 1944, com a volta do regime democrático ao país, Nise da Silveira reassumiu sua vaga no serviço psiquiátrico que tinha ingressado em 1933 por concurso público. Algum tempo depois de voltar ao trabalho Nise foi convidada por um psiquiatra chefe do serviço para assistir uma sessão de eletrochoque e depois de o psiquiátra demonstrar a técnica, aplicando o eletrochoque em um paciente, mandou a doutora Nise apertar o botão e ela respondeu prontamente: "Eu não aperto o botão". Aí nasceu a psiquiatra rebelde que transformou as formas de tratar o doente mental e que realizou pequenas revoluções que ainda hoje ressoam em todos que procuram uma forma humana e digna de tratamento do sofrimento mental.
Nise da Silveira foi transferida para o serviço de terapêutica ocupacional e encontrou no uso terapêutico da atividade uma forma diferente tratar os doentes mentais. Aposentou a forma antiga de fazer terapêutica ocupacional em que usava-se a limpeza e a costura que auxiliavam na economia hospitalar e com muita criatividade, estudo e ousadia criou oficinas de pintura, modelagem, encadernação e muitas outras formas de expressividade através de atividades terapêuticas. Nise sabia encontrar as pessoas certas para o lugar certo e resgatou dos serviços burocráticos um jovem de nome Almir Mavignier que no seu afã de tornar-se artista plástico criou um ateliê de pintura e encontrou verdadeiros artistas para dividir com ele o ateliê. Nise e Almir encontraram artistas como Emygidio de Barros, Fernando Diniz e Raphael Domingues em que a força plástica de suas obras levaram a serem expostos em importantes museus do Brasil e do exterior.
Nise da Silveira desenvolveu na década de 50 do século passado uma pesquisa de revisão dos principais autores da terapia ocupacional na época no mundo, queria encontrar as bases teóricas de seu trabalho. Com uma bolsa do CNPQ encontrou na Alemanha com Simon, um dos pensadores da profissão na época. Outro encontro marcante foi com o psiquiatra suiço Carl Gustav Jung que abriu as portas do inconsciente para a psiquiatra brasileira. Nise relata no seu diário a emoção deste encontro. Conta que ao chegar à casa de Jung foi tomada pela inscrição "Invocado ou não Deus estará presente" inscrita em latim e esculpida em pedra.
Nise desenvolveu uma extensa obra, colecionou mais de 300 mil obras que hoje constituem o Museu de Imagens do Inconsciente no Rio de Janeiro. Conduziu o mais duradouro grupo de estudos independente no Brasil que durou de 1957 até poucos anos antes da sua morte em 1999. Nestes grupos foram tratados os mais diversos temas desde a psicologia junguiana até críticas a farra do boi que acontecia em Santa Catarina. Nise foi o elo de ligação entre gerações e agregou importantes aliados nas mais diversas áreas. Criou tecnologias em saúde mental que ainda hoje são inovadoras e desconhecidas. Enquanto a cultura e a ciência buscavam uma massificação do ser humano, Nise da Silveira construiu narrativas de pessoas com sofrimento mental que descortinam relações com a mitologia, antropologia, sociologia.
E com tudo isso suas criações que relacionam-se com a terapia ocupacional são desconhecidas por professores, profissionais e alunos da área. O mito de Nise da Silveira vive nomeando salas de congressos e Caps por todo Brasil, mas sua técnica é esquecida.

terça-feira, 10 de março de 2009

O CAPS de Várzea Paulista

O professor Bruno Bechara que também é docente do Unianchieta me contou que a formação em Cuba em terapia ocupacional tem 7000 horas que ocorrem todas dentro de um serviço de saúde. Nós brasileiros que temos uma estrutura curricular bem diferente, aprofundamos na teoria e depois unimos à prática.
Esta semana começamos o estágio do curso de terapia ocupacional no Caps de Várzea, o serviço de referência de saúde mental no município, foram apenas dois dias, segunda e terça no período da manhã. Duas manhãs intensas de aprendizagem e experiência humana.
Juntamente com as seis estagiárias do curso e uma turma de dez estagiárias da enfermagem conhecemos os pacientes do Caps, os funcionários e um pouco da cidade de Várzea Paulista. As estagiárias conheceram vários seres humanos que apesar da dor psíquica buscam um caminho para uma vida suportável e quem sabe mais perto de alguns momentos felizes. Contatos foram feitos e com muito afeto e coragem começaram a conquistar seu espaço dentro do CAPS Várzea.
A parceria do Unianchieta com a prefeitura de Várzea Paulista propicia aos alunos dos diversos cursos da área de saúde da universidade uma vivência na saúde pública que inestimável para a formação do profissional que irá trabalhar no SUS.
Podemos não aproximarmos do ideal de junção da teoria e da prática como se faz na formação do profissional de saúde em Cuba, mas estamos dando o primeiro passo para uma formação cada vez mais completa.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ritmo e movimento

Continuando o assunto de ontem da relação entre a música e a terapia, conto agora a história de André de 79 anos, filho de imigrantes italianos e que tem Parkinson há 20 anos e nos últimos 2 anos está bem esquecido dos assuntos do cotidiano, suas lembranças hoje remetem à histórias que seu pai contava. É tratado com medicação específica para Parkinson, mas há 4 anos a medicação não está fazendo o efeito desejado e André está ficando cada vez mais paralisado. Avaliei André há um mês e ele começou a falar em uma voz trôpega histórias de Trento na Itália. Fatos que seu pai contava quando ele era criança, contou que seu pai foi coroinha na grande Igreja de Trento no final do século XIX na Itáia. Contou que seu avô tinha terras nesta região. Contou que sua mãe era da cidade de Ferrara, falou com facilidade da localização geográfica das duas cidades e parecia que conheceu as terras italianas que só ouviu pela boca dos pais. Contou que seu pai lia livros de Julio Verne e cantava valsas e músicas italianas com os irmãs. Brinquei com sua esposa que André sofria de saudadite de uma Itália que não conheceu.
Hoje André chegou ao Centro Dia de Idosos que trabalho no período da tarde. Veio andando com muita dificuldade com sua bengala e com um tremor muito acentuado. Ao sentar fica paralisado e seu tronco pende para o lado esquerdo, onde fica quase imóvel nesta posição. Constantemente os funcionários do centro de idosos o posicionam, mas logo ele volta para mesma posição. Se ninguém chega perto para conversar, ele permanece calado em sua posição congelada.
Hoje usamos o ipod e André ouviu chorinhos, óperas, músicas de Bach e Mozart. Depois de colocar a música e deixá-lo ouvindo óperas de Mozart por 10 minutos. Pedi para André levantar. Ele teve alguma dificuldade, mas andou sem a bengala, movimentou os braços e percebia que seu tremor diminuia muito em algumas músicas. Em uma delas o resultado foi mais acentuado e André andou com desenvoltura e falou com uma voz mais firme e fácil de entender ao escutar Alla Turca tocado pelo "Choro das Três".
Depois depois pediu para ouvir "Carinhoso", comentou da doçura da flauta e falou que estava sentindo seu corpo pela primeira vez em anos. "Eu achava que já não tinha um corpo, agora com a música, sintoi meus pés, pernas e mãos" falou isso ao mesmo tempo que mexia as partes do corpo e ouvia Pixinguinha tocando "Carinhoso".

terça-feira, 3 de março de 2009

Música e terapia

Hoje vou escrever sobre a relação da música com a terapia. Trabalho atualmente atendendo idosos e tenho bastante contato com pacientes com Parkinson, uma doença bem conhecida que afeta a motricidade destas pessoas e muitas vezes a deixa num estado de quase total paralisia, tendo muita dificuldade para iniciar qualquer movimento. Lendo o livro Alucionações Musicais do Oliver Sacks tomei conhecimento do poder terapêutica de músicas com ritmo bem marcado para o tratamento das pessoas acometidas pelo Parkinson. Coloquei algumas músicas com esta característica no meu ipod e apresentei para três pacientes com Parkinson e enquanto eles ouviam a música pedia para levantarem e andarem. A facilidade para iniciar foi muito maior de quando não ouviam música. Acredito que os terapeutas tem um caminho importante a percorrer estudando mais a música e seus potenciais terapêuticos.
Acredito que a terapia que leve em conta uma educação dos sentidos pode ser altamente valorizada neste mundo contemporâneo que nossos sentidos estão anestesiados e esquecidos. A música, os sabores, os odores, o tato precisam ser melhor estudados e incorporados nos processos terapêuticos.
A música acompanha o ser humano desde que ele virou homo sapiens, estudiosos da Universidade da Califórnia afirmam que o homem quando passou a morar em florestas tropicais imitava pássaros e sons e começou a desenvolver uma comunicação mais efetiva. O mais antigo instrumento musical que se tem notícia, uma faluta de osso de mamute, data de 35000 anos. Nestes anos todos o homem desenvolveu uma imensa capacidade de relacionar-se com a música e a música em si tem um poder terapêutico que muitas vezes esquecemos em nossa prática cotidiana.

segunda-feira, 2 de março de 2009

A defesa da tese da Taís Quevedo

Amigos marcam uma existência, a Taís e seu marido Léo são amigos destes que dispensam outros comentários. Na última sexta, dia 27 de fevereiro de 2009, a Taís defendeu sua tese de doutorado. Taís é terapeuta ocupacional e estuda a formação continuada destes profissionais.
Taís escreveu uma tese de mais de 500 páginas com informações, discussões e impressões muito sofisticadas e verdadeiras. Ela pesquisou um grupo de 7 terapeutas ocupacionais novatas que fazem residência em saúde mental na Unifesp. foram 18 encontros em que as participantes da pesquisa se dispuseram a escrever diários de aprendizagem e reflexão sobre o que é ser terapeuta ocupacional. Taís participou destes encontros em que fomentou a reflexão e também escreveu um diário narrativo pessoal deste processo. Poderia continuar contando sobre o trabalho da Taís, mas vou contar agora da defesa da tese de doutorado.
Uma defesa de tese é algo que mantém resquícios da tradição acadêmica, com banca, apresentação da tese, arguição da candidata e no final a orientadora da tese pede para as pessoas da platéia se retirarem para dar o veredito.
Mas com a Taís é tudo diferente, o clima foi muito informal, mesmo com os ritos terem todos sido realizados. Aconteceu um momento de real afeto em que a terapeuta ocupacional Jô Benneton, pediu uso da palavra e constatou naquele momento a importância do trabalho da Taís e emocionada pediu para dar um beijo e representando "uma grande mãe" foi ao encontro da Taís e lhe deu um abraço e um beijo quebrando o protocolo, mas colocando humanidade na cerimônia.
Uma frase dita por uma das integrantes sintetiza bem o que a Taís conseguiu com seu trabalho de doutorado: "Abriu as portas da incerteza para os terapeutas ocupacionais". A Taís propõe a formação de um profissional pensador e que use a incerteza como dínamo de seu processo de constante aprendizagem.
Ao ler a tese da Taís tive a sensaçãode manusear aquelas bonecas russas que você abre e encontra outra igual lá dentro. São tantos trabalhos importantes dentro da tese que não saímos da leitura do mesmo modo que entramos. Somos provocados a uma grande reflexão sobre a educação e o processo de formação profissional.
E a generosidade da Taís não acaba jamais. No final da apresentação ela convidou os presentes para um buffet de comidas árabes e brindou com todos a sua conquista. - Ave Taís.

domingo, 1 de março de 2009

O choro de uma mãe...

Ontem fui com minha esposa Francine e meus dois filhos no Sesc - Campinas num evento que visava estimular as diversas inteligências das crianças. Lá meus filhos brincaram no Giromaster, um simulador de gravidade zero; skate, videogame interativo e outras atividades estimuladoras. Lá encontramos uma mãe de um menino que fazia seu oitavo aniversário ontem. Começamos a conversar e ela contou a história de seu filho que aprendeu a ler sozinho aos 2 anos de idade e aos 4 anos teve uma crise em que ficou deprimido e agressivo porque queria aprender mais. nesse momento ela desaba em um choro de uma pessoa que precisou ser uma verdadeira leoa para salvar seu filho de um sistema educacional inapto para os superdotados intelectualmente. Ela conta que ela sofreu descriminação de outros pais e de diretores de escola que não entendiam que seu filho precisava de uma atenção especial. Só conseguiu vaga em uma escola particular de sua cidade que ela e seu marido que é vigia na Unicamp pagam a duras penas. Conta que seu filho hoje estuda na quarta série com crianças de dez anos e tem muita facilidade com o conteúdo escolar. Conta que mora em um bairro de periferia, onde o tráfico de drogas está muito presente e que meninos já ligados ao tráfico tem ciúmes e perseguem seu filho. Quando ela descobriu que minha esposa é psicóloga especializada em educação e mãe de crianças que apresentam habilidades acima da média, a mãe do menino superdotado se abriu ainda mais e as duas ficaram conversando sobre o quão difícil é ser mãe de crianças com inteligência e habilidades acima da média em nosso país. Parece que só estamos preparados para aproveitar a inteligência futebolística de nossos meninos que são exportados para todo o mundo e. Todas as outras habilidades são diluídas em uma educação que despreza o principal capital que transforma um país, o intelectual. Será que um dia acordaremos e não conderemos mais nossas crianças superdotadas ao sofrimento e ao preconceito?